A trabalhar há 16 anos na Galp, Telmo Silva é um dos mais de 400 trabalhadores da refinaria de Matosinhos com os quais a empresa já anunciou que manterá conversas individuais em fevereiro e março para procurar soluções, caso a caso, para o futuro de cada um. Integração noutras áreas da empresa? Reformas antecipadas? Rescisões amigáveis? Despedimento coletivo? O futuro é incerto e nem a comissão de trabalhadores tem conseguido luzes para dissipar as dúvidas sobre o cenário que espera os trabalhadores de uma unidade industrial que a Galp decidiu descartar.
Para já uma coisa é certa: os trabalhadores vão manifestar-se a 2 de fevereiro em frente à sede da empresa, em Lisboa, e junto à residência oficial do primeiro-ministro, indicou Telmo Silva, membro da comissão de trabalhadores e do SITE-Norte, sindicato integrado na federação Fiequimetal, afeta à CGTP.
Segundo Telmo Silva, a comissão de trabalhadores solicitou à administração da Galp um estudo feito pela empresa para avaliar a possível reconversão de Matosinhos para funcionar como uma “bio-refinaria”, mas a empresa não o facultou. De igual modo, a estrutura representativa dos trabalhadores pediu informação sobre os funcionários da refinaria do Porto e as situações de cada grupo de colaboradores, sem sucesso.
Contactada pelo Expresso, a empresa não vai mais longe do que já comunicou publicamente. “Conforme anunciado na semana passada, a Galp iniciou um conjunto de reuniões e sessões de esclarecimento para partilhar informação com os colaboradores e com os seus representantes acerca das soluções previstas para as pessoas e das etapas de desativação da Refinaria de Matosinhos, incluindo a disponibilização formal àqueles representantes de informação acerca dos fundamentos desta decisão. O processo interno de comunicação com as pessoas continuará a ser desenvolvido como previsto, mas a Galp não fará comentários públicos sobre as conversações específicas que tem em curso com a população da refinaria de Matosinhos”, aponta fonte oficial da Galp.
De acordo com Telmo Silva, o referido estudo apontava para a viabilidade de uma reconversão da refinaria de Matosinhos, com uma recuperação do investimento em três anos. O futuro da unidade industrial da Galp já foi comentado pelo ministro do Ambiente, João Pedro Matos Fernandes, que ainda este mês, no Parlamento, condenou a Galp por ter informado o mercado da decisão de fecho da refinaria antes de informar os trabalhadores. E, não escondendo irritação, garantiu que o Governo não permitirá que a Galp se socorra de financiamento comunitário para pagar a limpeza do terreno em Matosinhos. “Não daremos um tostão”, prometeu.
“Resistir”
Mas perante o processo de conversas individuais entre a empresa e os 401 trabalhadores de Matosinhos, o que podem estes funcionários fazer para acautelar melhor os seus interesses? “As nossas indicações são no sentido de resistir, de não vincularem o seu nome a qualquer decisão e de não leiloar o seu posto de trabalho”, diz Telmo Silva.
O dirigente sindical sublinha que “os postos de trabalho não estão à venda” e lembra que muitos trabalhadores da refinaria estão longe da idade da reforma - e sublinha que num contexto de crise económica provocado pela pandemia será especialmente problemático ficar sem trabalho. “A média de idades é de 40 anos. São pessoas muito longe da idade de reforma”, nota.
Segundo as fontes ouvidas pelo Expresso, trabalhadores da refinaria com perto de dez anos em funções auferem mensalmente cerca de 1600 euros líquidos, aos quais podem acrescentar mais alguma remuneração por horas-extra. Não é um trabalho em que se ganhe mal. Mas muitos, se deixarem a Galp, vão ter dificuldade em encontrar trabalho no país, dada a especificidade das funções técnicas que desempenham.
A comissão de trabalhadores e os sindicatos reuniram-se com responsáveis da Galp a 19 de janeiro em Lisboa, quase um mês depois de a empresa ter revelado em comunicado à Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) a decisão de encerrar a cinquentenária unidade industrial em Matosinhos. “Vemos com grande preocupação que uma empresa com a dimensão da Galp só passado um mês se dignificou a reunir-se com as estruturas representativas dos trabalhadores. As estruturas deviam ter sido ouvidas antes da decisão”, aponta Telmo Silva.
“Queremos que sejam assegurados os postos de trabalho. A refinaria deve permanecer. Não é apenas uma produtora de combustíveis. Tem especificidades em termos de produtos que não há em mais lado algum”, aponta o dirigente sindical e trabalhador daquela unidade. Um outro trabalhador que o Expresso ouviu realça esse ponto: Matosinhos não é só uma refinaria petrolífera, é um complexo petroquímico. “Dar cabo de um complexo petroquímico é um crime”, lamenta.
O fim da produção de betume
Na semana passada a Galp revelou um calendário mais detalhado para o desmantelamento de Matosinhos. Até final de março encerrará a fábrica de combustíveis, até final de junho a unidade de aromáticos e óleos-base e até final de dezembro as restantes áreas. Em 2022 vão ser desmontados os equipamentos e no ano seguinte descontaminado o solo.
Os trabalhadores ouvidos pelo Expresso nos últimos dias mostram tristeza pelo destino que a Galp decidiu dar a Matosinhos. Mas apontam também a importância que esta unidade industrial tem na economia portuguesa.
Com o seu desmantelamento, muitos dos produtos que aí eram fabricados vão passar a ser importados de Espanha - como é o caso do betume usado na construção ou na repavimentação de estradas ou no isolamento de edifícios. Ceras e parafinas usadas em velas decorativas mas também em cosméticos e na impermeabilização de embalagens de alimentos também eram produzidas em Matosinhos e vão deixar de o ser.
Por outro lado, os trabalhadores não compreendem que o encerramento de Matosinhos possa obedecer a uma lógica ambiental. Com emissões representativas de 2% do total de emissões de dióxido de carbono do país, o complexo de Matosinhos tem um menor índice de intensidade energética do que Sines. “A questão das emissões é uma falácia”, diz ao Expresso um dos trabalhadores da empresa.
Com o encerramento de Sines aumentam as importações de combustíveis, betumes e parafinas de Espanha. Para a Galp pesam os fatores económicos. Embora a empresa tenha investido há menos de uma década cerca de 500 milhões de euros em Matosinhos (dentro do pacote de 1,4 mil milhões de euros para a reconversão do seu aparelho refinador em Portugal), os acionistas sofrem agora o impacto da pandemia e da forte queda nas vendas de combustíveis.
Com o encerramento de Matosinhos a empresa corta uma fatia considerável em custos fixos com os salários dos trabalhadores e após o desmantelamento e descontaminação dos solos fica com terrenos valiosos que pode vender a promotores imobiliários com apetite por novas áreas de construção com vista para o Atlântico.
Um dos funcionários ouvidos pelo Expresso, falando sob anonimato, diz que entre as centenas de trabalhadores do complexo petroquímico “há pessoas que acreditam que ainda é possível reverter mas outras não”.
“O grande mal está na forma como isto foi anunciado. Na véspera de Natal a empresa anuncia uma decisão destas e só fala com os trabalhadores um mês depois. Isto pôs muita gente nervosa. E alguns trabalhadores já não estão a aguentar a pressão e dizem que vão sair com o que a empresa lhes oferecer”, contou o mesmo funcionário, com décadas de serviço numa unidade industrial histórica que acaba de completar 50 anos de vida. Tantos quantos Paula Amorim, a presidente do conselho de administração da Galp e sua maior acionista, celebrou a 20 de janeiro último.