Cultura

“Como é possível alguém escrever daquela maneira e escrever tanto daquela maneira?”: Agustina por Hélia Correia

“Como é possível alguém escrever daquela maneira e escrever tanto daquela maneira?”: Agustina por Hélia Correia

Hélia Correia revisita a emoção que lhe provoca a obra de Agustina - “ela é para mim um mistério absoluto na escrita” - e lembra 'Fanny Owen', cuja reedição de 2017 (Relógio D’Água) tem prefácio da própria Hélia Correia. Agustina Bessa-Luís morreu esta segunda-feira

Depoimento recolhido por Ana Soromenho

"Nunca tive uma relação pessoal com Agustina, nem nunca quis ter. Um amigo comum a certa altura quis muito aproximar-nos, na altura em que ela viveu em Lisboa, e eu recusei sempre. Não é possível ter uma relação pessoal em lugares comuns com alguém que é para mim um mistério absoluto na escrita. Esse mistério é para ser preservado. Quero sempre pasmar cada vez que leio uma página dela, e leio com muito frequência, quero sempre ficar com uma grande sensação de estranheza e perplexidade. Como é possível alguém escrever daquela maneira e escrever tanto daquela maneira.

A obra de Agustina não é uma obra que se possa equiparar a outra qualquer de outro autor. É única. Se há realmente a noção de génio é, em absoluto, Agustina, Nunca tive com a obra uma relação de familiaridade, de aprendizagem ou de estar convicta de que domino aquela obra. Nada disso. Estou sempre espantada e a descobrir qualquer coisa: cada vez que toco na escrita de Agustina abre-se de novo a porta de um mundo intrigante. Aliás, cada vez mais intrigante à medida que o vou relendo. É uma perceção que nunca se esgota. Pelo contrário, cada vez mais se alimenta de espanto e de convicção de que alguma coisa de muito estranho, de muito único e diferente acontece na sua escrita.

Escolhi fazer o prefácio de 'Fanny Owen', só escrevo sobre coisas que escolho escrever, porque implicava a relação de Agustina com Camilo, que é qualquer coisa que me deixa sempre fascinada e também muito intrigada com o modo como aquela relação pode acontecer entre pessoas contemporâneas. Existe qualquer coisa comum, e não sei se é o Norte, qualquer coisa em que eles tocam muito, o tocam justamente de uma maneira que não é fácil de entender e que desafia leituras e releituras e muitas investigações que gosto muito de fazer. Investigações essas que se podem fazer acerca de Camilo mas não se podem fazer acerca de Agustina. Não se pode investigar. É uma grande ilusão."

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