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Mandem alterar as notícias: Agustina não morreu

Mandem alterar as notícias: Agustina não morreu

A obra dela “é portuguesa, constituída por sentimento e gente portuguesa até à medula”, e foi ela que o deixou escrito num textinho reunido numa coletânea (Caderno de Significados) organizada pelo marido Alberto Luís e a neta Lourença Baldaque em 2013. Nessa altura Agustina já não escrevia nem aparecia em público, mas continuava tão viva como hoje, como sempre. Mandem alterar as notícias: Agustina não morreu - Agustina vive, Agustina é, Agustina somos nós

“Como talvez não ignore, o Diário Popular em cada número do seu suplemento de Letras e Artes ‘5ª feira à tarde’ publica um conto. (...) Por isso, permito-me convidar V. Ex.ª para connosco colaborar, enviando-nos, com a possível regularidade, alguns dos seus contos (...) (aliás, mesmo que não queira escrever contos, muito apreciaria que publicasse qualquer coisa, se possível regularmente, na ‘5ª feira à tarde’).” Qualquer coisa, escreveu e sublinhou Francisco Balsemão numa carta enviada a 25 de janeiro de 1965 para Agustina Bessa-Luís, na altura com 43 anos e pouco mais de uma dezena de obras publicadas, entre as quais o romance inicial “Mundo Fechado”, o premiado “A Sibila” e o extraordinário “Embaixada a Calígula”, relato de uma viagem que a autora fez a Itália e que lhe serviu de ensaio às questões culturais e intelectuais que mais a fascinavam: “Eu pertenço à classe de pessoas que não põem as letras entre os ofícios nobres, mas que as colocam a par dos destinos irrecuperáveis; mas a verdade é que se intriga hoje nos paços da imprensa como outrora nas câmaras dos prelados e dos duques. A palavra escrita tornou-se uma espécie de escuma que todas as ondas transportam e, ainda que raramente esclareça os homens, comove-os quase sempre - o que continua a ser tão fatalmente o grande meio para os dominar”.

Se os romances tivessem deixado margens para dúvidas, este diário de viagem publicado em 1961 e dedicado “ao Alberto”(marido, primeiro leitor e com toda a certeza o maior admirador do talento de Agustina) terá acabado com elas. E quem sabe hoje o que significa escuma? Ler a obra de Agustina Bessa-Luís é em primeiro lugar isto: aprender Língua Portuguesa. E logo depois isto: o prazer, o imenso prazer, de ver a inteligência inquietante de uma mulher brilhar de forma fulgurante e fulminante: “Sendo eu escritora, estou pronta a divagar sobre os assuntos que vêm ter comigo. Eles têm mais força do que eu. Ainda que se apresentem como pobres, esperam que eu nos seus andrajos não me engane. E descubra o oiro que trazem às mãos cheias, porque tudo o que é humano é auxiliar da glória. Para apreender a vida real, diz Jung que precisamos de ter em conta o ponto de vista do sentimento, isto é, todos os dados afectivos da alma, e esta, na sua totalidade, nunca poderá ser compreendida nem apreendida apenas pela inteligência. Por isso, não quero como assunto nada de extravagante, mesmo com timbre de lírico. Não quero brilhar, nem convencer, coisa que os poetas querem muitas vezes. Quero ser sóbria de palavras, constante de gratidão, verídica de fidelidade para quem confia em mim. Por isso vos digo que nunca me senti cansada a descrever o humano, precisamente porque participo de tudo o que é humano”. Este excerto faz parte do discurso de agradecimento pelo doutoramento honoris causa que lhe foi atribuído pela Universidade Tor Vergata de Roma, em 2008, e intitula-se “Pensadora entre as coisas pensadas”. Na altura foi lido em público por Alberto Luís, o eterno companheiro de Agustina, uma vez que ela já não se encontrava com saúde suficiente para viajar até Itália. Alberto morreu em 2017, mas em vida sempre disse que a obra de Agustina só seria verdadeiramente lida e conhecida depois da morte dela. Talvez tenha razão, Alberto.

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