Há mais de um ano que Parlamento Europeu e Estados-membros tentavam chegar a um acordo a respeito da Conferência sobre o Futuro da Europa. O entendimento sobre a declaração conjunta foi alcançado na última semana e vai ser assinado simbolicamente esta quarta-feira pelos presidentes do Parlamento Europeu e da Comissão e ainda por António Costa, que preside atualmente ao Conselho da União Europeia. Serão também os três a presidir à iniciativa.
A presidência da Conferência sobre o Futuro da Europa era, aliás, um dos problemas que impedia o entendimento entre os Governos dos 27 e os eurodeputados. Do lado do Parlamento Europeu (PE), queriam que o rosto do fórum fosse o belga Guy Verhofstadt, mas o eurodeputado, ex-primeiro-ministro e liberal acérrimo, esteve sempre longe de reunir o consenso dos Estados-membros. O braço-de-ferro arrastou-se durante meses. Agora, a presidência portuguesa do Conselho arranjou uma solução "à la europeia" e desbloqueou o impasse: três presidentes, um por cada instituição.
Esta quarta, no Parlamento Europeu, em Bruxelas, António Costa, David Sassoli e Ursula von der Leyen vão assinar o documento, numa cerimónia em que só estão previstas declarações de cada um deles, mas não perguntas da imprensa. O primeiro-ministro voou já para Bruxelas para garantir a presença, num dia que começa com o encontro com o presidente do Parlamento e a presidente da Comissão e inclui ainda um almoço com Sassoli e uma reunião com o vice-presidente da Comissão Frans Timmermans.
E o que é afinal a Conferência sobre o Futuro da Europa?
Uma tentativa de responder às ambições e preocupações dos europeus. "Seis em cada dez europeus concordam que a crise do novo coronavírus os fez refletir sobre o futuro da União Europeia", é uma das conclusões do primeiro Eurobarómetro realizado conjuntamente para o PE e a Comissão Europeia sobre o assunto.
O inquérito divulgado esta terça-feira revela que a grande maioria dos inquiridos (92 %) em todos os Estados-membros exige que as vozes dos cidadãos sejam "tidas mais em conta nas decisões relativas ao futuro da Europa". Os dados indicam que 51 % gostariam de participar na Conferência e os inquiridos irlandeses são os mais entusiastas (81 %), seguidos dos belgas (64 %), luxemburgueses (63 %) e eslovenos (63 %).
"A conferência sobre o Futuro da Europa vai abrir um novo espaço para o debate com os cidadãos para tratar dos desafios e prioridades da Europa", pode ler-se no texto da Declaração sobre a Conferência. No documento, os três presidentes comprometem-se "a ouvir os Europeus e a seguir as recomendações feitas", num total respeito pela proporcionalidade e competências previstas "nos Tratados Europeus" (já lá vamos).
Falta, no entanto, operacionalizar a passagem da Declaração à prática, para garantir que não é mais uma iniciativa de boas vontades sem consequências práticas. Chegou a estar prevista para arrancar em maio passado, durando dois anos, porém, a pandemia e a falta de acordo em torno do modelo de governação arrastou o processo. Deverá agora durar e chegar a resultados até à primavera e 2022.
À presidência conjunta de três presidentes junta-se um plenário que deverá reunir-se a cada seis meses e garantir que as recomendações dos cidadãos "são debatidas sem um resultado pré-determinado". Será composta por representantes do Parlamento Europeu, do Conselho, da Comissão Europeia e dos parlamentos nacionais. Os parceiros sociais e a sociedade civil também deverão estar representados.
Quantos aos temas a refletir não são novidade, mas aqueles que têm sido estabelecidos e repetidos como prioridade: "um continente saudável" em resposta à covid-19, "a luta contra as alterações climáticas, uma economia que trabalha para as pessoas, mais justa socialmente, a transformação digital da Europa, e os valores europeus, incluindo o estado de Direito".
E afinal o que não é a Conferência sobre o Futuro da Europa?
Uma alteração declarada dos Tratados. Tal não está explicitamente previsto na Declaração. A última vez que houve alterações de fundo ao direito primário da UE foi em 2007, quando foi assinado o Tratado de Lisboa, que viria a entrar em vigor em 2009. Já lá vão 12 anos.
Mas a esperança é a última a morrer. O eurodeputado Daniel Freund espera que a "Conferência não se afunde em brigas interinstitucionais" e que não hesite "em colocar em cima da mesa mais integração e alterações aos Tratados". Num comunicado à imprensa, o alemão acredita que é a "oportunidade para aprender com os erros do passado".
"Vejo muitos receios do lado do Conselho para discutir o futuro da Europa", diz também Manfred Weber, que dirige a bancada do centro direita. O líder do grupo parlamentar do Partido Popular Europeu acusa "alguns Estados-membros" de "parecerem assustados por discutirem o futuro da Europa", contrapondo que o PE está "otimista" e pronto a discutir temas como o "uma união da saúde".
E para quando resultados concretos?
É a questão que está por responder, mas o que está previsto na Declaração é que a iniciativa dure até à primavera de 2022, altura em que deverá chegar a "conclusões" que "guiem" o futuro do projeto europeu. Se tudo correr bem, a Conferência sobre o Futuro da Europa arranca durante a presidência portuguesa da UE - de preferência a 9 de maio, dia da Europa, com um lançamento simbólico em Estrasburgo. Deverá, depois, continuar nas presidências seguintes. Após António Costa, serão o primeiro-ministro esloveno, Janez Janša, e o Presidente francês, Emmanuel Macron, a assumir um dos lugares desta troika presidencial, uma vez que Eslovénia e França são os países que se seguem na presidência rotativa do Conselho da UE.
A cerimónia de assinatura desta quarta-feira deverá começar às 12 horas de Lisboa.