Por muito apaixonado que um trabalhador seja pela sua profissão e por muito que um patrão goste do seu funcionário, no mercado de trabalho não se trocam votos para a vida. Em regra, quem trabalha aspira a chegar ali aos 60 anos e reformar-se com uma pensão compostinha, que lhe permita manter os níveis de conforto até ao fim dos seus dias, e quem lhe dá emprego deseja vê-lo pelas costas para poder injetar sangue novo na empresa.
Até há poucos anos esta intersecção das vontades era fácil de conseguir. Com a bênção da Segurança Social, faziam-se rescisões amigáveis disfarçadas de desemprego involuntário, e do subsídio de desemprego transitava-se para a reforma antecipada. Noutros casos, acordava-se com os funcionários uma compensação para cobrir as penalizações que sofrem por se retirarem voluntariamente do mercado de trabalho antes da idade legal.
Estes desenlaces harmoniosos não desapareceram, ainda são uma realidade, mas, à medida que a idade legal da reforma galga (já vai nos 66 anos e 5 meses) e os cortes se aprofundam, a reforma antecipada torna-se cada vez menos apetecível para trabalhadores e cada vez menos acessível para as empresas que assumem os encargos com as rescisões. Neste cenário, como lidar com os trabalhadores que aspiram pelos dias de ócio e descanso, e com as empresas que os querem reciclar?
A OCDE, que ontem apresentou uma análise detalhada sobre o sistema de pensões português, considera que este tempo acabou e que, com os incentivos certos, os comportamentos se ajustarão.
Se se subir a idade de acesso à reforma antecipada (atualmente nos 60 anos) e se se acabar com o regime especial para os desempregados de longa duração, as empresas acabarão por ser forçadas a ficar com os funcionários mais anos e a dar-lhes programas de reconversão profissional. Estes, por seu turno, confrontados com o susto do corte na pensão, conformam-se com trabalhar mais tempo, em linha com os ganhos que conquistaram com o avanço da média de vida.
Isto é o modelo teórico que, funcionando na perfeição, asseguraria a sustentabilidade financeira do sistema e, ao mesmo tempo, pensões adequadas aos reformados do futuro. Na prática, contudo, sabemos que:
- a longevidade de cada um numa empresa depende em última análise da vontade do empregador. Caso se fechem as válvulas de escape, podem gerar-se os vazios de proteção social e as quebras de rendimento abruptas podem criar sérios problemas sociais
- constituir poupança complementar e privada para a reforma é desejável mas difícil quer para particulares (dados os nossos baixos níveis de rendimento) quer para as empresas (que já enfrentam uma taxa social única acima da média)
- embora Portugal seja um dos países europeus onde se vive mais anos, é aquele onde se vive menos anos com saúde, pelo que trabalhar mais anos significa ter menos tempo de qualidade antes de morrer
- a velhice fica muito cara, sobretudo num país onde os lares públicos são escassos e de baixa qualidade
Enquanto os académicos e os políticos não descobrem como conjugar todas as variáveis, a perspetiva é pouca animadora para todos quantos têm ainda muitos anos de vida ativa pela frente.
Ou trabalham até morrer ou morrem de medo de chegar à reforma.
OUTRAS NOTÍCIAS
- Rui Pinto, herói ou criminoso, consoante a doutrina, deverá chegar esta quinta-feira a Portugal, depois de as autoridades húngaras terem indeferido o seu pedido para evitar a extradição. O pirata informático que expôs os esquemas usados por Cristiano Ronaldo e José Mourinho para defraudarem o Fisco espanhol deverá ser presente a um juiz de instrução para saber as medidas de coação que lhe serão aplicadas.
- Mário Centeno demorou mais de três anos para apresentar uma proposta de reforma da supervisão financeira e acaba a receber mais críticas do que elogios dos supervisionados. O Banco de Portugal tem uma análise mais longa do que a própria proposta de Lei (com mais de 400 páginas), a CMVM dedica-lhe meia centena de páginas, e o regulador dos seguros resume as suas apreciações a 7 páginas. Onde as coisas parecem correr bem ao ministro das Finanças é na frente orçamental, com a UTAO a antecipar um défice mais baixo que as melhores previsões já confessadas pelo ministro das Finanças: 0,4% do PIB.
- O Novo Banco anda a empolar “prejuízos” para sacar dinheiro do fundo de resolução (e dos contribuintes)? Há banqueiros a sugerir que sim mas, na sua passagem pelo Parlamento, Luís Máximo dos Santos, vice-governador do Banco de Portugal e responsável pelo fundo de resolução, garante que não há provas disso. Mais ainda: se não se tivesse criado a almofada de 3,9 mil milhões de euros, o banco podia ser obrigado a fechar portas.
- Ofereceram-lhe um telemóvel ou um computador? Não use. Esta terá sido a recomendação emitida pelo Governo as departamentos da Administração Pública que, segundo o jornal Público, se viram "inundados" de ofertas de equipamentos eletrónicos. António Costa terá seguido o exemplo e logo em 2016, quando em visita à China recebeu um Huawei, não só o depositou na Presidênca do Conselho de Ministros como "nem sequer abriu a caixa e o telemóvel continua selado como quando foi recebido", garante o jornal. Nunca fiando nos "parceiros amigos".
- Desconfiança é também o sentimento que os chineses geram em Itália, onde Xi Jinping, aterra esta quinta-feira para continuar a desbravar os caminhos para a sua Rota da Seda. O facto de as regras da visita obrigarem a que todas as reuniões, mesmo com empresários privados, sejam acompanhadas por um oficial chinês, membro do Partido Comunista, já obrigou o governo italiano a garantir que o acordo é de natureza comercial e não porá em causa a segurança.
- A preparação da cimeira entre a China e a União Europeia, em abril, é um dos temas da agenda do Conselho EUropeu que esta quinta-feira começa, em Bruxelas, mas o prato forte será mesmo o Brexit. Assumidamente derrotada pela incapacidade de fazer passar a sua proposta de acordo para a saída do Reino Unido da União Europeia, Theresa May pediu um adiamento de 29 de março para 30 de junho e de Bruxelas recebeu um sim condicional, como explica o Pedro Cordeiro no Expresso Diário. Para uma abordagem mais divertida a um problema bicudo, vale a pena ver o nosso vídeo com o que pensam os alunos do Externato Luso-Britânico sobre o assunto.
- De luto e em estado de emergência, Moçambique continua a contar mortos, a procurar desaparecidos e a conseguir fazer chegar ajuda aos que sobreviveram aquele que a ONU admite ser “possivelmente o pior desastre natural de sempre a atingir o hemisfério sul”. A Unicef e a Cruz Vermelha já abriram linhas de apoio, o Estado português enviou uma força de reação rápida constituída por 35 militares e médicos, enquanto igreja, autarquias e cubes de futebol promovem a recolha de alimentos e disponibilizam dinheiro. Entretanto à embaixada portuguesa chegaram 30 pedidos de localização de cidadãos nacionais.
- O Partido Popular Europeu (PPE) suspendeu o Fidesz, o partido do primeiro-ministro húngaro Viktor Orbán, mas não o expulsou. No Público, Ana Sá Lopes chama-lhe "um ato de cobardia".
- A compra da 21st Century Fox pela Disney foi selada e com ela abre-se caminho para a criação do maior grupo de media e entretenimento do mundo. Por cerca de 63 mil milhões de euros, a gigante passará a concentrar conteúdos como o Star Wars, Os Simpsons, Avatar, além dos personagens da Marvel.
- Após o massacre de 15 de março, a Nova Zelândia, avança com a proibição da venda de todas as armas de assalto e semiautomáticas.
AS MANCHETES DO DIA
Correio da Manhã: Economia trava aumento das pensões
Diário de Notícias: Vagas anunciadas pelo ministério ocupadas por auxiliares que já estão nas escolas
I: Moçambique chama
Jornal de Negócios: Bosh prevê investir 110 milhões de euros e vai contratar 500 trabalhadores em Portugal
Jornal de Notícias: Um terço das vagas para médico de família fica sem candidato
Público: Governo desaconselhou uso de telemóveis da Huawei no Estado
FRASES
“A solução encontrada, que permite aos deputados do Fidesz continuarem sentadinhos nas bancadas do PPE, funciona apenas para que os partidos que o integram - em Portugal o PSD e o CDS - se possam distanciar um bocadinho em plenas eleições europeias.” Ana Sá Lopes, Público
“Excluindo os processos de corrupção (...) o que temos sobretudo é um projeto de governação em que há uma perfeita continuidade entre António Costa e José Sócrates." Miguel Morgado, porta-voz do movimento 5.7, ao Público
“Se as sondagens estiverem certas há duas coisas inevitáveis: terá de haver um qualquer tipo de reedição da “geringonça” e isso será muito mais difícil de fazer do que nestes quatro anos. E o bloco central, com a hecatombe no PSD, é altamente improvável. Serão anos mais instáveis do que nos parecem à partida." Daniel Oliveira, no Expresso Diário
“Eu acho que o Reino Unido não é um bicho papão, porque não fez nada de mal. Só quis sair da União Europeia." Aluna do externato Luso-Britânico, no Expresso Diário
O QUE ANDO A LER
Porque hoje é dia mundial da poesia, deixo um poema de Sebastião Alba, irónico, cru e ao mesmo tempo suave, como era o seu jeito.
Quando nascemos entramos
no nome pela voz dos pais:
- Dinis Albano...
Íntima e sonora identidade.
Chamam-me e volto a cabeça, dissuadido.
Na voz duma mulher
os nomes são
interiores a nós.
(Na dum polícia, desprendem-se,
como se apenas
os envergássemos).
Um amigo dirige-se-nos,
e as letras do nome
- tu?!... - correm de doçura.
Um dia, o nome,
por capricho duma veia ou dum fonema,
ocultamente, esvai-nos.
E por detrás dele,
alheados dos ritos,
nem sabemos da sua
cessação.
(em "A noite dividida")
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