"Não é um facto estrutural e não tem um impacto estrutural na nossa economia". É desta forma que Mário Centeno, governador do Banco de Portugal (BdP), classifica a pandemia de covid-19.
Na apresentação do Boletim Económico de maio do BdP, esta quarta-feira em Lisboa, que faz uma análise ao comportamento da economia portuguesa em 2020, Centeno frisou que a crise pandémica é "exógena, temporária", e que "não deixa marcas na altura na economia para além da queda da atividade".
Vincando a resiliência do emprego e do investimento - em contraste com o que aconteceu na crise da dívida soberana - Centeno vincou o papel central da resposta à crise na Europa, coordenada entre política monetária e orçamental. Uma resposta onde teve papel central, como ministro das Finanças de Portugal e presidente do Eurogrupo até junho de 2020. E destacou que a economia portuguesa estava muito melhor preparada para enfrentar os tempos difíceis.
"Todos os parágrafos deste boletim poderiam começar pela palavra pandemia", começou por dizer Centeno, destacando que esta, contudo, "não é um facto estrutural e não tem um impacto estrutural na nossa economia".
O governador considerou que para entender 2020 é preciso olhar para a situação da economia portuguesa no final de 2019: "Portugal convergia com a área do euro há quatro anos, tinha contas públicas em linha com os objetivos de médio prazo e mais meio milhão de empregos desde 2013". Lembrou ainda o facto de as empresas estarem capitalizadas e a descida do crédito mal parado na banca.
Depois, vincou diferenças desta crise: "Em 2020, ao contrário de outras crises, os empregos foram preservados nas empresas". E reforçou: "Retivemos emprego, a poupança aumentou" e a Europa "deu passos no sentido de maior integração".
O ano passado "ficou marcado pela pandemia, mas também a mais rápida recuperação de que temos memória". E "pela resiliência do emprego e do investimento. Esse é o grande legado".
Explicação? Esta crise teve uma "resposta extraordinária do ponto de vista das políticas" na Europa, tanto ao nível monetário como orçamental. "2020 foi um ano de esforço coordenado. Essa foi a grande lição a retirar", defendeu. "Foi o ano das políticas, de ativar políticas que nunca tinham antes atuado desta forma, no mesmo sentido".
Olhando em concreto para Portugal, Centeno frisou que as Administrações Públicas "suportaram 85% da perda do rendimento nacional", enquanto o rendimento dos particulares aumentou. "É um cenário único numa crise, o rendimento disponível das famílias aumentou em 2020".
Ao mesmo tempo "estávamos muitíssimo melhor preparados para combater esta crise".
Apesar deste sucesso, Centeno apontou riscos no caminho. "Temos de continuar a ter sucesso na prevenção de crises bancárias", "devemos estar muito atentos" à desigualdade social e "não podemos querer tornar permanente o que sempre foi temporário".
Centeno falava, neste último ponto, das medidas de apoio "que não vamos conseguir sustentar no futuro". O governador lembrou que "a dívida pública em Portugal aumentou muito em 2020 e mais que na área do euro, significa que o esforço foi muito significativo". Para Centeno, o endividamento público "é uma questão importante". É por isso "que não podemos tornar permanente o que é temporário". E precisou que medidas de apoio estamos a falar: lay-off simplificado, linhas de crédito com garantia pública e moratórias.
A propósito das moratórias, cuja grande maioria termina em setembro deste ano e sobre as quais se tem levantado muita incerteza, Centeno considerou "muito importante que todos os agentes em Portugal estejam muito atentos a esta situação". Mas desdramatizou: "o fim das moratórias privadas em março mostrou que não havia motivos para ansiedade".
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