Opinião
Marcelo Rebelo de Sousa: Portugal, uma Pátria feita contra a sorte
Portugal foi, desde sempre, uma Pátria feita contra a sorte.
1. Nasceu por movimento de rebeldia, expandiu-se territorialmente, resistiu na crise de 1383-1385, projetou-se nos mares, construiu um império, recuperou a independência entretanto perdida, virou-se para o Brasil e nele criou condições para a unidade política, tentou redescobrir a Europa algumas vezes, mesmo se tarde, ensaiou reformular-se depois da guerra civil enquanto equacionava como lidar com a componente africana do império remanescente, experimentou a República liberal atomista, viveu sob ditadura de fundamentação financista, enfrentou várias frentes precursoras da descolonização, avançou para a democracia e, ao mesmo tempo, para o termo do longo ciclo imperial, a integração europeia e a busca de nova economia.
Sempre ou quase sempre contra a sorte. Para não dizer contra o vento.
Mas sempre contra a sorte. E com o povo na liderança.
2. Hoje, não é diferente o nosso desafio, como não é diversa a nossa atitude essencial.
Não podemos nem devemos contar com a sorte. Nem sequer com a ilusão de que a sempre bem-vinda solidariedade ou generosidade alheia substitui o que é tarefa nossa.
E é tarefa nossa conhecer a História e as suas lições, saber que somos dos melhores em vocação universal, em pontes entre culturas, civilizações e continentes, por geografia, mar, língua, comunidades espalhadas pelo mundo, aptidão invulgar para apreender e incluir, definir estratégia que dê prioridade a essa vocação, nela valorizar sobretudo as pessoas, a educação, a inovação, o conhecimento, a ciência, a tecnologia, fazê-lo olhando à demografia, mas também respeitando e promovendo o contributo dos menos jovens numa correta visão intergeracional de dois sentidos, conjugando uma natural capacidade de exportar bens e serviços, neles se incluindo o acolhimento de outros em turismo multifacetado, em segunda residência, em nichos de saúde ou de permanência apreciável de terceira e quarta idades vindas à procura de condições ímpares de inserção e segurança.
Tudo isto, tendo a exata noção de que só é capaz de percorrer estas e outras pistas uma sociedade que seja socialmente coesa e em que a convergência no essencial não seja, cronicamente, apagada ou perturbada pelas querelas no secundário.
Isto é, em que pobreza, desigualdade, injustiça não tornem intolerável a vida dos portugueses e não enfraqueçam a estratégia nacional.
E em que o salutar pluralismo democrático não impeça consensos básicos em matérias pacíficas nas democracias com mais elevados indicadores de desenvolvimento humano.
3. Falta o fundamental. A vontade do povo. Porque é ele quem mais ordena.
Um povo com quase nove séculos de sapiência, atento, arguto, intuitivo, resistente, corajoso, nos momentos cruciais indomável.
Como sempre, será ele a chave do nosso destino nacional.
Qual sorte! Qual ilusão de que alguém gosta mais da nossa terra, da nossa gente, da nossa História, do nosso futuro do que nós próprios!
A nossa única sorte é termos nascido portugueses!